segunda-feira, 24 de setembro de 2012

A SAUDADE DO MATUTO

A saudade do matuto...

Passarinho, se ocê subesse, 
Quanto que dói a dô de uma sardade,
Cê num cantava no meu terrero
Às seis horinha da tarde.

Essa marvada dô, qui mim duece, 
Já fui inté vê um dotô
Pra mode de ele mim expricar
O pruquê que essa dô mim tristece.

Inzaminô, inzaminô, e di nada adiantô,
Daí, vei cum aquele mes sermão,
“Ocê toma e tenência na vida, home,
Que ocê, loguin, loguin, fica bão.“

Seu dotô, pra mode eu ser consurtado
Foi que eu invim aqui vê o sinhô,
Mas já vi qui invim nu lugar errado
Que ocê num intende é nadica de dô.

Num adiantô ocê sê dotô, bem formado,
Ocê perdeu foi seu tempo lá naquela facurdade,
De qui qui indianta ocê ter diproma na mão,
Se num sabe curar a dô de uma sardade?

De: Luiz Ferraz, em 15 de novembro de 1992

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

A SAUDADE DA MINHA RUA

A saudade da minha rua.

Era a Rua Costa Ferreira, 
antiga Travessa das Pastilhas, 
que em uma tarde de verão,
queimando o sol como o quê,
e, eu, com a pena na mão,
às personagens, vida lhes dei,
dando-lhes o meu coração.

O mais nobre de todos eles,
era seu Romualdo, o vidraceiro,
casado com Marialva da Paz.
Ao lado havia, também,
Dona Apolônia, a portuguesa,
cujo o cajo do marido, Don Fernando, 
tinha por profissão ser tripeiro.

Pra alegria daquele solar, 
o primeiro casal deu origem 
a uma linda e delgada menina
que adorava briga e desordem
Náia era apelido e Isaura seu nome.
Já Dau, o progenitor varão,
Possuía uma cabeça enorme.

Conhecido como “Cabeça de Porco“,
tinha gente de todo jeito
naquele velho e sombrio solar:
gente gorda, gente magra
e alma de toda a cor;
tinha até “dama de branco“
pra criançada espantar.

Olha, lá, também, tinha o “Risca“,
cachaceiro como ele só e
irmão de um tal Deodato
que era um ciclista, sem tirar e nem por,
e fazia de seu velho tricíclo, o ofício,
de peças de maquinas de escrever, 
sua vida de entregador.

Lá no fundo ainda tinha seu Valdir,
vivendo com dona Sirley, seu amor, 
O casal era pai de Betinho e “Vidinha“,
não me esqueço, nao senhor.
E subindo a escadaria, lá por cima,
Era um mal cheiro de “mundiça“.
Era seu Alonso com dona Cinira “Fedô“.

Tinha lá, por Deus, seu Clulé,
que só de pé tinha uma légua;
os dedos do pé, que tortura, 
por onde todos caminhassem
o mal cheiro não dava trégua.
Estavam sempre bem protegidos
com a sandália da amargura.

Sei que os poucos eram vários, 
mas eram poucos em abundância, 
pois, hoje, muitos são poucos
e teria que a dedo escolher 
pra poder se fazer novamente,
e com o mesmo mostruário,
aquela rua de minha infância.

         Luiz Ferraz, em 24 de agosto de 2002



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

DOCE MAR...

Doce mar...

Ai, se eu fosse Deus,  
Te daria agora, em um piscar, 
Toda a água pura dos meus olhos,
Para ver-te em lágrimas se banhar.

Não piscaria mais meus olhos em vão,
Contas faria, eu, somente agora, 
Para que a lagrima sentida de outrora, 
Se transformasse em multiplicação.

Terias tu, ó linda flor, onde banhar-te,
Nas águas salgadas de um mar azul de anil,
Nas ondas fulgorosas e espumantes,
No doce mar das Minas, no Brasil.

      De Luiz Ferraz, em 19 de setembro de 2012

Dedicado a uma linda jovem chamada Kamila Isaac

A HIPOCRISIA


A HIPOCRISIA

Outro dia um reclamou que não lhe dei o famoso "bom dia" mas, em contra partida, tinha feito mais reverências do que se realmente tivesse pronunciado aquelas duas palavras de bom dia.
No dia seguinte outra reclama que não escutou o meu "até logo" e assim vai.
Será que todas essas pessoas estariam mesmo preocupadas com essas coisas?
Vamos modificar um pouco a coisa e analisar:
Suponhamos que eu tenha dado a primeira pessoa um daqueles "BOM DIA" que jamais dei a ninguem e, logo em seguinda, na continuidade da conversa, dissesse que eu estava passando por um aperto e me faltariam 100 reais para tirar-me daquele apuro. Por certo, aquele pomposo "BOM DIA" transformar-se-ia em um "QUE MISÉRIA" oculto por parte daquele primeiro receptor. Tenham certeza disso.
Já com a segunda pessoa, também inconformada por não ter recebido aquele "ATÉ  LOGO", a reação nao seria a mesma se os vocábulos tivessem sido, também, pomposamente pronunciados e até com um pequeno acréscimo - "IA ME ESQUECENDO, GOSTARIA DA SUA AJUDA". Bem, seria o suficiente para aquele maldito metabolismo transformar-se em uma besta feroz e perguntar-me falsa e sutilmente "QUE TIPO DE AJUDA?".
É evidente e todos nos sabemos que em qualquer das duas situações nenhum de nos ficaria satisfeito ao esperar por uma suposta bomba que poderia detonar-se em qualquer momento.
Por outro lado, um "BELEZA?", "E AÍ?", "VAI FUNDO", "NOS VEMOS AMANHÃ" e sei lá mais quantas expressões seriam de bom tamanho e reprodutivas de qualquer daquelas duas primeiras, em seus diferentes modos.
O que acontece é que a mente humana já está catalogada para receber isso como rotina. O que se diferenciar disso é motivo de todo tipo de questinamento tais como: "o que será que há com ele?" "a mulher dormiu de calça Jeans.", "levou um esporro do chefe, quem sabe?", "acho que estão lhe botando chifres". 
É uma hipocrisia só. Nenhum é melhor. Todos são iguais.
Eu sou da teoria que se me dão bom dia, eu respondo. Se eu não der esse mesmo bom dia, boa tarde, boa noite a alguem, simplesmente, nao se torturem. Economizem duas ou tres expressões do seu léxico ao não me responder.
Mas voces não farão isso e sabem por quê? Não é que seja educação exagerada, nao é que seja "finess" e nem mesmo aquele "bom tom". Não é nada disso. Naquelas duas e diabólicas expressoes vão algo mais do que uma simples saudação. Vai uma curiosidade que nos fere em saber se algo mais podería ser acrescentado ou, até mesmo, no começo do bom dia, quem sabe, uma fofoquinha em primeira mão.
"O mundo é, bem verdade, uma porcaria, eu bem sei..." como diz, literalmente, o tango "Cambalache", cantado por Gardel, milhares de vezes em palcos do mundo inteiro e que faço questao de traduzir a todos voces.


Cambalache

Que el mundo fue y será una porquería, ya lo sé,
en el quinientos seis y en el dos mil también;
que siempre ha habido chorros,
maquiávelos y estafáos,
contentos y amargaos, valores y dublé.
Pero que el siglo veinte es un despliegue
de maldá insolente ya no hay quien lo niegue,
vivimos revolcaos en un merengue
y en el mismo lodo todos manoseaos.

Hoy resulta que es lo mismo ser derecho que traidor,
ignorante, sabio, chorro, generoso, estafador.
¡Todo es igual, nada es mejor,
lo mismo un burro que un gran profesor!
No hay aplazaos ni escalafón,
los inmorales nos han igualao...
Si uno vive en la impostura
y otro roba en su ambición,
da lo mismo que sea cura,
colchonero, rey de bastos,
caradura o polizón.

¡Qué falta de respeto, qué atropello a la razón!
¡Cualquiera es un señor, cualquiera es un ladrón!
Mezclaos con Stavisky van don Bosco y la Mignon,
don Chicho y Napoleón, Carnera y San Martín.
Igual que en la vidriera irrespetuosa
de los cambalaches se ha mezclao la vida,
y herida por un sable sin remache
ves llorar la Biblia contra un bandoneon.

Siglo veinte, cambalache, problemático y febril,
el que no llora no mama y el que no roba es un gil.
¡Dale nomás, dale que va,
que allá en el horno te vamo a encontrar!
¡No pienses más, tirate a un lao,
que a nadie importa si naciste honrao!
Si es lo mismo el que labura
noche y día como un buey
que el que vive de las minas,
que el que mata o el que cura
o está fuera de la ley.

TRADUCAO DO TANGO CAMBALACHE

Brechó

Que o mundo foi e será uma porcaria, eu já sei
Em 506 e no ano 2000 também;
Que sempre houve ladrões,
Traidores e aproveitadores,
Felizes e amargurados, valores e morais.
Mas que o século XX é uma exposição
De maldade insolente, já não há quem negue,
Vivemos misturados em um merengue
E na mesma lama todos manuseados.

Hoje acontece que é o mesmo ser correto ou traidor
Ignorante, sábio, mão-leve, generoso,vigarista.
Tudo é igual, nada é melhor
O mesmo burro e um grande professor!
Sem enrolação nem reclamações,
Os imorais nos igualaram ...
Se alguém vive na impostura
E outro rouba em sua ambição
Dá na mesma que seja padre,
Preguiçoso, capanga,
Cara-de-pau ou um clandestino.

Que falta de respeito, que afronta a razão!
Qualquer um é um cavalheiro, qualquer um é ladrão!
Misturados com Stavisky, vão Dom Bosco e La Mignon,
Don Chicho e Napoleão, Carnera e San Martín.
Assim como na vitrine desrespeitosa
Dos brechós, se misturou a vida,
E ferido por uma espada, sem rebites
Se vê chorar a Bíblia contra um bandoleon.

Do século XX, brechó, problemático e febril
Quem não chora, não mama e quem não rouba é um tolo.
Da-lhe apenas, da-lhe que vai,
Que lá no forno, nós vamos encontrar!
Não penses mais, deixe de lado
Que ninguém se importa se você nasceu honrado!
Se é o mesmo quem trabalha
Dia e noite como um boi
Que quem vive das mulheres,
Que mata ou cura
Ou está fora da lei.

Assim, agora, vocês têm aí texto suficiente para me criticarem à vontade. 
Façam isso. Assim, voces estarão sendo seres humanos e ocupando todo o tempo insignificante de cada um em algo para eternizar a minha memória.

Luiz Ferraz, em 19 de setembro de 2012.

quarta-feira, 5 de setembro de 2012

PREFEITO SEM PREFEITURA

Prefeitura sem prefeito


Nessa vida atroz e dura
Tudo pode acontecer
Muito breve há de se ver
Prefeito sem prefeitura;
Vejo que alguém me censura
E não fica satisfeito
Porém, eu ando sem jeito,
Sem esperança e sem fé,
Por ver no meu Assaré
Prefeitura sem prefeito.
Por não ter literatura,
Nunca pude discernir
Se poderá existir
Prefeito sem prefeitura.
Porém, mesmo sem leitura,
Sem nenhum curso ter feito,
Eu conheço do direito
E sem lição de ninguém
Descobri onde é que tem
Prefeitura sem prefeito.
Ainda que alguém me diga
Que viu um mudo falando
Um elefante dançando
No lombo de uma formiga,
Não me causará intriga,
Escutarei com respeito,
Não mentiu este sujeito.
Muito mais barbaridade
É haver numa cidade
Prefeitura sem prefeito.
Não vou teimar com quem diz
Que viu ferro dar azeite,
Um avestruz dando leite
E pedra criar raiz,
Ema apanhar de perdiz
Um rio fora do leito,
Um aleijão sem defeito
E um morto declarar guerra,
Porque vejo em minha terra
Prefeitura sem prefeito.
O eterno poeta,Patativa do Assaré


MAS O QUE E TEMPO?

Mas o que é tempo?

O ontem já se passou, 
O amanhã ainda não veio, 
E se no presente estou, 
Estou eu é bem no meio.

De um verbo no passado
E de outro bem no futuro,
É coisa de tempo, é claro,
Que é algo bem escuro.

No passado eu fui macaco,
No presente nem gente eu sou, 
E no futuro só serei terra,
Que o vento não levou.

O tempo é que passa o tempo,
Que o tempo não passou, 
Como amanhã nao serei nada, 
Se agora já nada eu sou?

Nessa linha eu sou o presente,
Nessa eu já fui o passado,
E se já nessa eu era futuro,
Tem algo aí que está errado.

Pois se eu fora quem eu era,
Bem antes do que sou agora, 
Em minha vida eu seria,
Bem melhor do que serei agora.

Mas isso é coisa do passado.
Vivamos nós o presente, 
Pois o que foi passado lindo, 
Será futuro, novamente.


                    De Luiz Ferraz, o Caruaru2000, em 4 de novembro de 1991

ME PERDOE, SAUDADE...


Me perdoe saudade...

Eu sei que você não tem culpa
Mas é um sentimento que sai de dentro de mim.
Não posso lembrar dos programas "Sai de Baixo",
Nem dos taquinhos de pau lá da roça.....
Sem me lembrar de você, saudade.

Você, ao mesmo tempo é ingrata, 
E me leva de volta a um tempo 
Em que tudo lá era tão bom, saudade.
Me lembro até da queda, saudade, 
Em que eu cai no chão e bem caído.
Fiquei com o joelho inchado e dolorido
Eu me lembro tanto disso.
Não me doeu muito não, saudade,
O que me dói mais é você, saudade, 
Que mais do que todas as quedas, 
Trago dentro do meu coração.

Não posso lembrar das prosas
Com os companheiros la das Minas,
Nem dos ares verdes das colinas,
E nem dos sapos das chuvas de verão.

Tanto é voce, agora,  saudade, 
Que andando pelas ruas da cidade
Me vejo tão cheio de emoção, 
Ao lembrar que até um sapo, 
No meu sonho de escultor, 
Bulinando no barro macio, 
Fiz um de vocês com a mão.

Mas não eram somente os sapos, 
A razão de minha alegria, 
Nem os cavalos das campinas,
E nem o velho cachorro Tupi.
Eu poderia ter mesmo agora, 
Os bichos que na arca Noé colocou,
Pois nada me faria mais feliz 
Do que a vida linda da saudade, 
Que, agora, em meu coração brotou.

Mas, saudade, tu nao fostes nada boa,
Pois quando tu ainda nao existias, 
Era tudo real o que eu vivia, 
Vivendo tudo na hora; o momento.
Mas tu sabes que nao sei rezar, 
E nem sei pedir em lamento, 
Que me tragas tão viva agora, 
As realidades vivas, minhas saudades, 
Parte delas, num profundo adormecimento.

Portanto, se me queres bem, oh saudade, 
Vou te pedir um grande favor, 
Que partas do meu peito e agora,
E não me deixes chorando de dor, 
Mas vá e volte, sem demora, 
Que quero continuar vivendo, 
O sonho de um grande amor.

               De Luiz Ferraz, o Caruaru2000, em 5 de setembro de 2012