A HIPOCRISIA
Outro dia um reclamou que não lhe dei o famoso "bom dia" mas, em contra partida, tinha feito mais reverências do que se realmente tivesse pronunciado aquelas duas palavras de bom dia.
No dia seguinte outra reclama que não escutou o meu "até logo" e assim vai.
Será que todas essas pessoas estariam mesmo preocupadas com essas coisas?
Vamos modificar um pouco a coisa e analisar:
Suponhamos que eu tenha dado a primeira pessoa um daqueles "BOM DIA" que jamais dei a ninguem e, logo em seguinda, na continuidade da conversa, dissesse que eu estava passando por um aperto e me faltariam 100 reais para tirar-me daquele apuro. Por certo, aquele pomposo "BOM DIA" transformar-se-ia em um "QUE MISÉRIA" oculto por parte daquele primeiro receptor. Tenham certeza disso.
Já com a segunda pessoa, também inconformada por não ter recebido aquele "ATÉ LOGO", a reação nao seria a mesma se os vocábulos tivessem sido, também, pomposamente pronunciados e até com um pequeno acréscimo - "IA ME ESQUECENDO, GOSTARIA DA SUA AJUDA". Bem, seria o suficiente para aquele maldito metabolismo transformar-se em uma besta feroz e perguntar-me falsa e sutilmente "QUE TIPO DE AJUDA?".
É evidente e todos nos sabemos que em qualquer das duas situações nenhum de nos ficaria satisfeito ao esperar por uma suposta bomba que poderia detonar-se em qualquer momento.
Por outro lado, um "BELEZA?", "E AÍ?", "VAI FUNDO", "NOS VEMOS AMANHÃ" e sei lá mais quantas expressões seriam de bom tamanho e reprodutivas de qualquer daquelas duas primeiras, em seus diferentes modos.
O que acontece é que a mente humana já está catalogada para receber isso como rotina. O que se diferenciar disso é motivo de todo tipo de questinamento tais como: "o que será que há com ele?" "a mulher dormiu de calça Jeans.", "levou um esporro do chefe, quem sabe?", "acho que estão lhe botando chifres".
É uma hipocrisia só. Nenhum é melhor. Todos são iguais.
Eu sou da teoria que se me dão bom dia, eu respondo. Se eu não der esse mesmo bom dia, boa tarde, boa noite a alguem, simplesmente, nao se torturem. Economizem duas ou tres expressões do seu léxico ao não me responder.
Mas voces não farão isso e sabem por quê? Não é que seja educação exagerada, nao é que seja "finess" e nem mesmo aquele "bom tom". Não é nada disso. Naquelas duas e diabólicas expressoes vão algo mais do que uma simples saudação. Vai uma curiosidade que nos fere em saber se algo mais podería ser acrescentado ou, até mesmo, no começo do bom dia, quem sabe, uma fofoquinha em primeira mão.
"O mundo é, bem verdade, uma porcaria, eu bem sei..." como diz, literalmente, o tango "Cambalache", cantado por Gardel, milhares de vezes em palcos do mundo inteiro e que faço questao de traduzir a todos voces.
Cambalache
Que el mundo fue y será una porquería, ya lo sé,
en el quinientos seis y en el dos mil también;
que siempre ha habido chorros,
maquiávelos y estafáos,
contentos y amargaos, valores y dublé.
Pero que el siglo veinte es un despliegue
de maldá insolente ya no hay quien lo niegue,
vivimos revolcaos en un merengue
y en el mismo lodo todos manoseaos.
Hoy resulta que es lo mismo ser derecho que traidor,
ignorante, sabio, chorro, generoso, estafador.
¡Todo es igual, nada es mejor,
lo mismo un burro que un gran profesor!
No hay aplazaos ni escalafón,
los inmorales nos han igualao...
Si uno vive en la impostura
y otro roba en su ambición,
da lo mismo que sea cura,
colchonero, rey de bastos,
caradura o polizón.
¡Qué falta de respeto, qué atropello a la razón!
¡Cualquiera es un señor, cualquiera es un ladrón!
Mezclaos con Stavisky van don Bosco y la Mignon,
don Chicho y Napoleón, Carnera y San Martín.
Igual que en la vidriera irrespetuosa
de los cambalaches se ha mezclao la vida,
y herida por un sable sin remache
ves llorar la Biblia contra un bandoneon.
Siglo veinte, cambalache, problemático y febril,
el que no llora no mama y el que no roba es un gil.
¡Dale nomás, dale que va,
que allá en el horno te vamo a encontrar!
¡No pienses más, tirate a un lao,
que a nadie importa si naciste honrao!
Si es lo mismo el que labura
noche y día como un buey
que el que vive de las minas,
que el que mata o el que cura
o está fuera de la ley.
TRADUCAO DO TANGO CAMBALACHE
Brechó
Que o mundo foi e será uma porcaria, eu já sei
Em 506 e no ano 2000 também;
Que sempre houve ladrões,
Traidores e aproveitadores,
Felizes e amargurados, valores e morais.
Mas que o século XX é uma exposição
De maldade insolente, já não há quem negue,
Vivemos misturados em um merengue
E na mesma lama todos manuseados.
Hoje acontece que é o mesmo ser correto ou traidor
Ignorante, sábio, mão-leve, generoso,vigarista.
Tudo é igual, nada é melhor
O mesmo burro e um grande professor!
Sem enrolação nem reclamações,
Os imorais nos igualaram ...
Se alguém vive na impostura
E outro rouba em sua ambição
Dá na mesma que seja padre,
Preguiçoso, capanga,
Cara-de-pau ou um clandestino.
Que falta de respeito, que afronta a razão!
Qualquer um é um cavalheiro, qualquer um é ladrão!
Misturados com Stavisky, vão Dom Bosco e La Mignon,
Don Chicho e Napoleão, Carnera e San Martín.
Assim como na vitrine desrespeitosa
Dos brechós, se misturou a vida,
E ferido por uma espada, sem rebites
Se vê chorar a Bíblia contra um bandoleon.
Do século XX, brechó, problemático e febril
Quem não chora, não mama e quem não rouba é um tolo.
Da-lhe apenas, da-lhe que vai,
Que lá no forno, nós vamos encontrar!
Não penses mais, deixe de lado
Que ninguém se importa se você nasceu honrado!
Se é o mesmo quem trabalha
Dia e noite como um boi
Que quem vive das mulheres,
Que mata ou cura
Ou está fora da lei.
Assim, agora, vocês têm aí texto suficiente para me criticarem à vontade.
Façam isso. Assim, voces estarão sendo seres humanos e ocupando todo o tempo insignificante de cada um em algo para eternizar a minha memória.
Luiz Ferraz, em 19 de setembro de 2012.