Não passava de dez da manhã e, naquele mesmo sábado, diante delas tres, Maria, Toninha e Selma e, posteriormente, mamãe, foi quando me acovardei. Eu, jamais poderia ter visto aquilo e me calado. Talvez fosse meu olhar muito crítico e sensível e de compadecimento para com aquelas bonequinhas maltrapilhas em seu vestir e clamando-me por suas solturas do maldito cativeiro que Maria e suas comparsas a teriam levado, tivessem feito de mim um menino incapaz e sem atitudes.
Elas tres já vinham combinando tudo e como seria a casa e suas bonecas. Organizaram no canto da sala seu covil de tortura. Eu, sempre muito calado, espreitava sempre de longe o comportamento dos carrascos. Que poderia eu imaginar? Absolutamente, coisa alguma. Era o trio manipulador quem dava as ordens e, muitas vezes, em comum acordo, me olhavam com ar de desprezo por pensar que eu seria o clamor daquelas pobres e infelizes bonequinhas. Eu, por minha vez, ao reluzir de cada olhar daquelas tres em minha direção, sentía-me o próprio e seguinte réu condenado naquela inquisição.
Levantavam e transportavam as pobres infelizes sem dó e nem piedade de um lado para outro por simples e mero prazer em arrastá-las pelos compartimentos da casinha improvisada no canto da sala. Não lhes enchiam de alma e nem coração. Não lhes davam o mínimo direito de, sequer, escolher onde gostariam de estar ou fazendo isso ou aquilo. Lavando uma cozinha, quem sabe. Contando entre elas, as bonequinhas, dos prazeres da vida, das desilusões amorosas e assim por diante. Não. À elas não era dado esse direito. Iam para lá e para cá mediante imperativas ordens e transferências ao pegá-las. Pobre e infeliz que fui. Eu assistia àquilo diferentemente e lhes dava, àqueles tres seres inanimados, tamanha esperança que elas pareciam apenas esperar o momento da falta de vigilância.
Mas elas iam de um lado para outro, faziam as tarefas que lhes eram impostas e com garra. Sabiam que tinham por detrás daquelas inescrupulosas e sem piedade toda a força de meu querer bem e minha proteção.
Às vezes, ausentes de qualquer sensibilidade, duas delas e, algumas quantas vezes, as tres, agarravam a mesma pobre bonequinha e, ao mesmo tempo, ordenavam qualquer coisa impossível. Fui covarde mas astuto. Quando dessas passagens eu as convidada a uma distração compulsória, chamando por mamãe. Era a única salvação. As bonequinhas pareciam me agradecer e eu as sorria. Elas eram vida para mim e não objetos de brinquedo. Elas deveriam ser tratadas com carinho, olhadas nos olhos e representar, na verdade, a cada uma das minhas duas irmãs e sua coleguinha.
Ao chamado do almoço por mamãe, papai já sentar-se-ia à mesa. Aproveitei a saída das tres e, imprudentemente, coloquei ao lado de cada uma delas os respectivos nomes de minhas duas irmãs e o de sua colega. Adiantei-me dizendo que elas teriam, depois do almoço, sensibilidade, zelo e carinho umas para com as outras pois aqora já não seriam mais tres maltrapilhas de pano e, sim, gente. Todas com alma coração e vida.
Já vou, papai, disse eu, atendendo ao seu chamado.
Luiz Ferraz
Dia 30 de julho de 2017
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