sábado, 2 de abril de 2016

O VERDE QUE EU VEJO

O VERDE QUE EU VEJO

Polêmicas simples e perguntas inusitadas que eu fazia a mim mesmo e aos demais, embora, quase sempre, sem respostas, umas quantas delas me seguiam sem dar trégua. Eram, aparentemente absurdas mas que dava o que pensar a toda aquela gente desde o tempo de minha primeira infância, isso dava.
Nós morávamos no Rio de Janeiro, na Rua Barão de São Féliz, casa de número 13. Era uma casa simples de vila com dois quartos, uma sala e uma copa, divididas essas duas por uma estante enorme; havia uma pequena cozinha onde mamãe fazia milagres com sua comida sempre muito saborosa. Ao fundo havia um pequeno quarto dispensário que era usado para guardar todos os entulhos de uma família pobre.
Morávamos, como pobres, não tão mal. Éramos, por convicção, pobres. Bem, não era lá essas coisas mas íamos vivendo.
Éramos em total seis pessoas - papai, mamãe, minha tia Célia, um primo carnal de mamãe chamado João Inácio e outro meu primo primeiro de nome Júlio que teria vindo de Minas Gerais para cursar a universidade de engenharia mecânica na Universidade Federal do Rio de Janeiro e eu. Julio era muito fechado e falava somente o necessário. Já, João Inácio, era falante e se dava muito bem comigo por suas idéias e um toque muito especial de ser. Júlio era muito dedicado aos livros.
Minha irmã, se casara e fora morar em Copacabana. Estava quase sempre presente mas não vivia o nosso cotidiano da vila.
Lembro-me muito bem que um dia papai deu por querer pintar a casa por dentro para um melhor conforto nosso e, juntamente com a pintura, umas quantas melhorias e aquelas arrumações da época. Pois bem, pintou-se, internamente, a casa de duas tonalidades de cor verde. Era uma dessas casas antigas que cada porta poderia ter aproximadamente mais de tres metro de altura. Ficou excelente para o que já estávamos cansados de ver aquela pintura antiga e desbotada parecendo mesmo a pintura original dos meados do século XIX.
Antes papai não tivesse tido aquela brilhante idéia ou não muito brilhante assim de concluir aquela pintura o que não daria margem a um dilema terrível e que, na ocasião, nos deixaria atordoados e pensativos.
As paredes, do chão até ao teto, se não tivesse seis metros e meio de altura faltaria muito pouco. Papai resolveu pintá-las em dois tons de verde. Do chão a metro e meio de altura, um verde bem leve e pintura à óleo; o restante, com um tom mais claro de verde e pintura lavável, o que seria bem mais econômico.
Uns quantos domingos depois da tal pintura, todos sentados à mesa da copa, mamãe serviria o almoço que, não faltaria aquele macarrão com galinha e o peculiar arroz e feijão. Particularmente, o feijão que mamãe fazia, ao temperá-lo, sentia-se o cheiro saboroso de longe o que nos abria muito o apetite.
Já quase no término do almoço, eu e sempre eu, perguntei ao meu primo segundo, João Inácio: “Será que o verde que vejo nessa parede seria o mesmo verde que você vê?“ Aquilo foi o bastante pra deixar papai inquieto no que, sem soluçar, respondera, tomando a frente de João Inácio que se calaria diante da iniciativa do líder - papai. “Evidente que é o  mesmo verde e todos nós vemos o mesmo“, responde mais do que depressa papai e com total convicção que por pouco não me atrevo a retrucá-lo ao dizer: “papai, pode não ser o mesmo“.
“Deixa de bestagem, menino“, disse meu velho pai.
Daí, João Inácio diz que poderia não ser verdadeiramente o mesmo e eu me senti tão valorizado e tão orgulhoso da pergunta primária que já não me continha. Sentia-me como um gênio diante do pedestal em que João Inácio me colocara e resolvi seguir em frente já que a sorte estava lançada e os ventos sopravam a meu favor. Disse eu, então, a papai: “Papai, quando o senhor viu essa cor pela primeira vez em sua vida, alguém disse que era verde o o senhor a chamaria de verde até o seu último dia de vida, não é assim? Está certo, papai. Agora, papai, quem garante ao senhor que aquela pessoa que lhe ensinou que aquilo era verde via o mesmo que o senhor estivesse vendo?
Papai, mais do que de repente me disse que eu já vinha com outra de minhas loucuras e que aquilo não teria jamais um final. Foi aí que meu primo, o pouco falante, resolveu abrir a boca e dizer que eu poderia ter algo de razão pois nós estaríamos vendo uma tonalidade que todos chamaríamos de verde mas poderia variar segundo o olhar de cada um e que jamais se poderia descobrir isso porque todas as vezes que aquela cor ou aquele tom aparecesse eu diria que estaria vendo um verde mas que não, necessariamente, a mesma cor que os demais poderiam estar vendo. Sabe-se lá até outro tom ou outra cor que sempre apareciam pra diferentes olhos das formas primeiras como foram vistas por eles.
Papai, totalmente perdido dentro daquela polêmica medonha, diz à mamãe: “Dé (nome carinhoso como papai a tratava), me traga um pouco mais de farinha pois seu feijão de hoje está especial. Deve ser pelo domingo.“
Luiz Ferraz, 
2 de abril de 2016

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