O conto do Vigário
Dormia eu tão traquilo,
Na rede de um bom baiano,
Quando, sem esperar me deitar,
Toca aquele aparelho danado,
Viche, pois não é o celular...
Era Francisco me chamando,
Em ligação, e do Vaticano.
Pois diga aí, velho Chico,
O que queres de mim agora?
Mas, antes, deixa-me felicitar-te
A fumacinha branca te elegeu
Pra liderar a casa do Senhor;
E como não sou religioso,
Melhor foi você do que eu.
Meu velho amigo, Ferraz,
Há mais de dez dias não durmo;
Sei que a votação me elegeu,
E já, de lá, não tenho é paz.
É um um protocolo besta aqui,
É tanta cerimônia acolá
Que eu já nem sou mais eu.
Já tô tendo é muita gastura,
E nem sei como te falar:
O amigo pinta ainda? “Decime, Che“,
Diga que sim, que pinta. Me alegre.
E não faça como Cristina,
Penso modificar totalmente a pintura,
De toda a Capela Sistina.
Mas Chico, agora ficaste foi louco?
Há mais de 500 anos, Michelangelo a capela pintou,
É um afresco tão maravilhoso
Que não se deve apagar,
Nada seria igual: nem Picaso, Debret, Renoir,
Do rococó ao barroco e neo-clássico;
Melhor é deixar como está.
Ferraz, você sabe que sou humilde,
A pintura da Capela, isso sim, vou mudar,
Quero algo bem mais moderno,
Que mostre o mundo atual,
Para Jesus, o Redentor,
Será você, não duvide,
Da nova Capela, o pintor.
Quero suas idéias astutas,
Tudo, na Capela, bem retratado,
Nao importa que seja por cima,
De qualquer canto ou dos lados;
O importante é que a cúria veja
Que reis e rainhas vivem,
No mesmo santo solo, com putas.
Oh, Xenti... E quando eu começo?
Vou colocar meu talento e empenho,
Pois quero que os fiéis vejam,
No final, o meu humilde desenho,
Vou pintar o meu Brasil querido,
Aqui bem do lado esquerdo,
Reativando o quengo de conterrâneos esquecidos.
Não vou pintar o Império,
Nem Deododo, no começo da República,
Nem os quinze anos de um governo provisório
Pois aqui o negócio é sério;
Também não pinto a ditadura,
Que terminou com Figueiredo,
Isso não é realidade; isso só é uma pintura.
Vou pintar, sim, Maluf, o pobretão,
Pedindo votos, com bravura,
Pra fazer rodovias em São Paulo,
E por baixo de seu colchão;
Pinto Serra, pinto Erundina e Marta,
Só não pinto Celso Pitta,
Por ter pouca tinta escura.
Um pastor pedindo esmola
Mais arriba, vou pintar, também,
Com uma sacola cheia na mão,
A generosa esmola foi tanta
Que comprou até “televisão“
Pois quem nasce pra Pataca, (Babaca)
Nunca chega a ser Vintém. (Alguém)
Pinto ACM, acima, rei do povo da Bahia,
Pinto Gil, Caetano e Gal,
Ivete, com um lindo chapéu de palha
Pinto papai, meus primos e tias
Pinto, enfim, a familia inteira,
Só não me esqueço de Caymmi,
Indo pra Maracangalha.
Não poderia deixar de pintar,
Ela tão doce e tão amável,
Que nos Estados Unidos mostrou,
O que é que a baiana tem.
Cantou o samba brasileiro,
Carmem, a ti, com carinho,
Nossa “Pequena Notável“.
Pouco mais assim ao norte,
Pinto, da Igreja, o padre Cícero,
Pinto, também, Frei Damião,
O roubo da sanfona branca, não esqueço,
Da “Asa Branca, pinto o vôo,
Que foi o brilhante começo
De Gonzaga, o Rei do Baião.
Não posso deixar de pintar Elba,
E nem Fagner, com Carinho,
Só pinto com muita tristeza,
A doença de Dominguinhos,
Mestre ilustre da sanfona,
Que se for desta, estará no céu,
Ao lado de sua Alteza.
Pinto, sim, é Chico Anísio,
Que nos deixou ano passado,
Com seus tantos personagens,
Será um espaço bem engraçado,
Amigou-se com a comédia,
E só mudando de roupagem,
Com várias mulheres foi casado.
“Dr. Jânio foi-se simbora,
Dizendo eu volto de novo,
Jogou a vassoura no lixo,
Enfiou o cabo no povo“
Vocês sabem quem pinto agora?
Sarney, que muito mais que Dr. Jânio,
Tem um bigode de lei.
Pinto toda nossa linda flora,
Do Rio Negro ao Alto Xingu,
Pintando pra quem não sabe,
Que peixe de escamas é pirarucu,
Que tapioca e muito boa,
Mas sou mais do camarão,
Ensopadinho com xuxu.
Pinto o calango do cerrado,
Que se rasteja pelo chao,
Parecendo até deputado,
Que pra levar tanto dinheiro,
Que não cabe em vinte mãos,
Usa três cuecas com bolsos
Bem por baixo de um calcão.
Preciso aqui mais deste lado,
De muito mais espaço, acredito,
Pra colocar tanto deputado,
E um exagero de partidos,
Não sei se estarei errado,
Mas se pinto tudo deste lado,
Já não pintarei mais bandidos.
Pinto mares, pinto serras,
Pinto todo o bosque em flor,
Pinto um céu azul de anil,
Mas aqui, não pinto é guerra,
Por estar pintado o Brasil.
Pinto o verde da esperança,
E um povo cheio de amor.
Pra pintar o Juiz Barbosa,
Escureço é mais o pincel,
Pinto parte do legislativo,
Do executivo e até judiciário,
Só não vou pintar aqui,
Juiz Lalau, o temerário,
Por não ter credencial no céu.
Mensalão, isso pinto mesmo não
Por pouco espaço na capela,
Pois se começasse eu a pintar,
Sairia muita gente voando,
Pelas frestas da Janela,
Não teria tinta e pincel no mundo,
Pra retratar tamanha tela.
Praia em São Paulo, não tem: é uma pena,
Cimento armado nunca foi areia,
E lá não pintei sereias da pele morena,
Se pudesse cair neve no Rio
Pintaria louras de tirar o chapéu,
Se chovesse no nordeste,
o meu Brasil seria o céu.
Ainda não pintei Chacrinha,
Nem Silvio, nem Raul Gil,
Faustão requer muito espaço,
Que só fazendo reducão,
Pinto Hebe, a lourinha,
E não esqueço de Boldrin,
O homem do “Sr. Brasil“.
Já nem sei mais o que fazer,
Pintei no Rio, o grande Cristo,
No alto do Corcovado,
Na Serra dos Órgãos, eu pintei,
O “Dedo de Deus“ enganado,
Pois ao invés do indicativo,
Pintei foi o dedo errado.
“Que buraco é aquele lá no meio,
No ponto mais alto da Capela
Não vai me dizer que esqueceu“?
Claro que não, é evidente,
Pinto lá mesmo é Lula,
Com um litro de aguardente,
Por se acaso, nos falte Deus.
De: Luiz Ferraz
Em: 19 de março de 2013.