terça-feira, 6 de novembro de 2012

A CAMINHADA DE KELE

A caminhada de Kelé

Aquela terra negra e argilosa não seria somente o nome da cidade cearense de Massapê. De muita fertilidade seria aquele massapé também responsável pelo futuro de Maria José dos Reis, mais conhecida naquela região do Ceará pelo apelido matreiro de “Zefinha“.

Pois a fertilidade da terrra era tamanha que Zefinha ao lambuzar-se, frequentemente, nas negruras de massapé mais parecia um facho por seus olhos verdes e reluzentes fazendo afronto até a um farol. Logo, logo, com seus quatorze incompletos já estaria prenha de Odorico, o “Riquinho“ e de Clemente dos Reis, o Kelé. A população local nem se dera conta que Zefinha era arisca e tinha por vício bulir com os moços. A mistura do feijão e macacheira daria a ela um bucho enorme e muita indicação a parir fortemente.

Já não seria ela só a se lambuzar de massapé, o que fazia por demais com o último a ser expulso, Kelé. Já Odorico, parecia rejeitar o apelido carinhoso de “Riquinho“, já não lhe agradando mesmo em sua infância tão primária. Kelé, por sua vez, não dava atenção a seu nome e só gostava da sujeira da terra negra.

Zefinha, era um chamego só mais Kelé. Odorico, esse, parecia nem ter saído daquele ventre e que, dentre em breve, a arisca mãe não os sentiria mais. Lá pra meados de dezembro, pouco antes do Natal, Zefinha muito maleitosa se definhava a cada dia e não seriam mais tão longas suas caminhadas de ancas largas por aquele massapé. Morre Maria José dos Reis, a Zefinha, na tarde de 22 de dezembro de 1927, deixando órfãos a Kelé e Odorico.

Tamanha era a popularidade de Zefinha que Odivando Vieira, o prefeito e doutorando em maracutaia, não deixaria de fazer sua aparição em público em um palanque que mandara ele mesmo armar e com projeções e propagandas em todo o seu redor, principalmente das redes de lojas de tecido que eram, em maioria, de sua propriedade. Tomando Odorico nos braços, começaria sua póstuma homenagem àquela que teria sido um dia a criança e a musa do povoado:

“Povo do Ceará, povo de Massapê, meus correligionários, meus cumpanheiro de partido e inté mesmo os9 de opusição. Povo do meu sertão e dos sertão dos outros“ (aplausos da multidão). Odorico já no tablado do palanque olhava admirado as palavras proferidas por Odivando Vieira e parecia inclinar-se à elas como em um leito maternal. A seriedade de seu rosto e de venta arrebitada se colocara na própria pessoa do prefeito fazendo dele o seu discurso e isso aos seus onze de idade. Já Kelé, afeiçoado mais Zefinha, chorava de dar dó, por baixo do palanque e escondido dos demais. Não fora quase pronunciado o seu nome em um só momento ao passo que o de Odorico era, frequentemente, falado em alto e bom som.

Dentre aplausos e mais aplausos, continuava Odivando Vieira, com seu palitó de gabardine e numa lordeza que causava inveja: 
“Os nosso merecimento de pezar por essa moça que foi e sempre vai ser a razão de nossas lembrança. Essa moça que alegrou as criança e alegrou os adulto.... “ Naquele choro ininterrupto, quanto mais falava Odivando Vieira, mais sofria Kelé. Odorico permanecia no tablado, imponente que só  e imitando todos os gestos e falas de Odivando Vieira. E segue Odivando naquela homenagem póstuma sem fim quando dá por falta da corrente de seu relógio de bolso - um Patek que fora herança de seu avô - que se rompera pelo esbravejamento e empolgação de seu quase comício, que segue falando: “....agora mesmo, neste momento, perdi algo de valor nessa homenagem....“, o que o povoado pensou tratar-se de um chamego de Odivando Vieira mais Zefinha. Uma pequena vaia ecoa no ar de Massapê, porém, mesmo assim, prossegue o prefeito: “......Emboramente os senhores e as senhoras tenham maldado minhas palavras, vô lhes dizê que Zefinha era como se fosse filha minha....“ e os plausos voltam a reinar. “......Eu falava da perda de uma peça valiosa que herdei de meu avô, o Coronel Oligário Vieira. Foi a corrente de ôro de meu relógio que se foi mais Zefinha. Pois ela eu saberei onde está e minha corrente, quem saberá"?

Se via rodeado aquele palanque de uma grande multidão e terra preta. Duas coisas não eram encontradas: nem a corrente de Odivando Vieira e muito menos Kelé. Daquela orfandade, Odivando Vieira, um corrupto de primeira,    se fez responsável por Odorico Reis. Já Kelé, com aconchego mais Zefinha, ninguém mais teve notícias e só nos seus onze anos de idade quando Zefinha se foi.

Naquele sofrimento dolorido da perda da mãe e diante de tamanha necessidade, Kelé se escapara e venderia uma corrente de ouro no povoado vizinho onde se instalara. Já Odorico aprendia na escola as lições da professora e, em casa, a corruptividade de Odivando Vieira. Houve momentos em que Odorico, ao sonhar, se dizia o prefeito de Massapê, tamanha era sua ambição sem, em algum momento, ter-se lembrado do irmão. Já Kelé, em sua miséria de fugitivo, virava e mexia, estava pensando em Odorico.

E de corrente foi em frente, de carteira em carteira foi roubando. Roubava aqui, ali e acolá e devagar ia roubando. Ninguém soubera de informações de Kelé e nem de seu paradeiro. Bem, não se falava mais naquilo. Kelé era uma peça do passado. Por outro lado, Odorico, gêmeo de massapé e mãe, já entrara na política como vereador e teve até seu nome trocado por Odivando Vieira e senhora e passara a se chamar Odorico Vieira. 

E mais um mandato e outro também como vereador e ninguém lhe seguiria na carreira apoiada por seu pai de criação, o até  então, prefeito Odivando Vieira, rei das falcatruas e corrupções. Na região, Odorico se torna famoso e todos lhe olham como Coronel Odorico Vieira, filho de Odivando e Dna. Mocinha, sua esposa.

Não tardará a hora das próximas eleições para prefeito. Kelé em sua vida mundana e de roubo em roubo acumularia grande riqueza que poderia facilmente afrontar, com uma boa campanha e astúcia, ser um novo canditato do povo. Ninguém o reconheceria mais. Com sua habilidade no ato de roubar e acumular riqueza, tendo somente a escola da vida, era generoso com a população mais carente e a todos lhe dava a mão e um voto de confiança, o que seria suficiente para deixar Odorico, seu irmão, sem um voto em Massapê. Assim, ia se desenrolando o carretel. Odorico já deixara a escola principalmente pelas costas largas do coronel Odivando Vieira que lhe fazia muitos agrados e, também, Dna Mocinha. Viviam, assim como seu pais adotivos nas mais habilidosas formas de enrolar o povo e de enriquecimento ilícito.

Por sua vez, Kelé, mesmo não tendo tido grandes oportunidades escolares, era muito bom leitor e não deixava de lado sua sanfona “Scandalli“ que ganhara de um agraciado homem de negócio e por ter visto no rapaz uma aptidão para os teclados. Fora já o término daquela vida de roubos e seu montante de dinheiro acumulado por todos aqueles anos e com a ajuda da sanfona inseparável que mais lhe ajudara a acumular patrimônio. Não fora somente aquele presente que Kelé ganharia do tal senhor mas um formoso gosto pela uniao de Kelé mais sua única filha, Carolina, que terminara seus estudos como professora numa importante faculdade da capital Fortaleza.

Carolina era uma moça vistosa e de cabelos cor de mel que se encaracolavam na caída aos ombros. Por sorte, Kelé, se apaixonara pelo ar gracioso de Carolina não lhe deixando de fazer galanteios um só instante. Aquela seria a esposa ideal para Kelé na arrancada com a política em Massapê. Vistosa, muito formosa e muito meiga, seria o que de melhor poderia acompanhar Kelé em suas aventuras políticas.

Odorido, por sua vez, não teve a mesma sorte no amor. Se casara pela imposição de Odivando Vieira com uma moça nada meiga e até mesmo um pouco sem jeito. De estrabismo acentuado, a futura esposa de Odorico era filha de um fazendeiro rico da região mas sem prestígio político o que sempre daria a Odorico a oportunidade de não possuir alguém que lhe afrontasse politicamente. Assim se consumaram os dois casamentos: Clemente dos Reis mais Carolina Figueira e Odorico Vieira, outrora dos Reis, mais Isabel Gonzaga, mais conhecida pelo povo como “Zói de Mola“.

Pra reforçar ainda mais a campanha eleitoreira, Odivando Vieira resolve inaugurar a Ponte de Catitó que já vinha sendo construída com a ajuda de um super faturamento e com apoio do governo do estado. Seria o grande dia. 

Do conhecimento de Kelé, este, de braços mais sua mulher Carolina, vão a Massapê onde ninguém mais lhe reconheceria. Falado e feito. Foi o casal à Massapê. Uma multidão se acumulava nas duas margens do rio Catitó. Depois de inúmeros discursos de Odivando Vieira, Odorico começa a falar  e, com ar de desdém, vai finalizando as palavras de seu pai e, sem seguida, ele só, para ênfase de sua campanha, é o unico a subir na ponte e caminhar até ao vão central. “Zoi de Mola, sua esposa. teria ficado do lado da família Vieira, na margem direita do rio.

Muito próximo à ponte estava também o casal dos Reis, Kelé e Carolina, quando um ruído forte de concreto partido é ouvido por totos aqueles cidadãos de Massapê e um alarde de tragédia paira sobre o ar de toda aquelas bandas. Antes que Odorico pudesse correr, se desmorona o que seria a Ponte do Catitó levando consigo a vida do filho postiço de Odivando.

Todos correram demais daquele local e até mesmo Carolina, mulher de Kelé, em prantos, se desembestou feito uma lesada pela estrada abaixo. Kelé não. Esse ficou. Sujo de poeira preta e molhado da água do rio, fazendo de seu corpo e roupa alinhados um barro só. Era massapé. O mesmo que sua mãe os lambuzara na infância. Deu o derradeiro adeus a Odorico, seu irmão, e com lágrimas nas ventas proferiu essas lalavras:
“Odorico, meu irmão, tu não te lembraste de mim. Tu, no palanque, ao lado de Odivando Reis, não te lembraste de nossa mãe enquanto eu, lá embaixo, sentado no massapé, chorava por teu amor e o de nossa mãe. Você que sempre odiou o barro preto, o rio Catitó te lavando, levou. Vá ficar com nossa mãe mas, antes, peça perdão ao Senhor pois eu tirei carteira de gente mas foi você quem os roubou. Que o rio Catitó te lave a alma e me espere quando eu for pois tu já vai molhado e eu levo um pouco da terra negra e com ela faremos um barro nós três e brincaremos mais nossa mãe outra vez.“

O corpo de Odorico foi encontrado no dia seguinte, na calmaria do rio e fora enterrado, com todas as pompas que Odivando Vieira pudera fazer, bem ao lado do corpo de Zefinha, sua mãe genética.

Na missa de sétimo dia, que Odivando e Dna. Mocinha mandaram celebrar, estavam, também, presentes Kelé e sua esposa Carolina e, imediatamente após a cerimônia religiosa, Kelé se aproxima de Odivando e pergunta se ele não o reconhece. A resposta de Odivando foi negativa. Dna. Mocinha, aproximando-se ainda mais, disse nunca ter visto aquele jovem senhor anteriormente.
Kelé se apresenta e o casal Vieira, desgastados pelo fatal desfecho, mais ainda se pôe a chorar. Não foi hora de se falar mais nada. Todas aquelas afirmativas de Kelé seriam como uma aura sobre a cabeça de Odivando Vieira.

Aproximam-se as aleições e Clemente dos Reis é Candidato a prefeito de Massapê. Odivando Vieira renuncia à vida política e não havendo outro candidato, Kelé se torna o mais novo prefeito.

Imediatamente, após tomar posse, o prefeito Clemente dos Reis inicia uma sindicância e abre uma comissão de inquérito e uma auditoria na prefeitura.


De: Luiz Ferraz, 
       Em: 6 de novembro de 2012.
               Dia da disputa pela presidência da Casa Branca entre o 
               Presidente Barak Obama e Romney